Ps: Todos os textos encontram-se registrados na biblioteca nacional.

domingo, 6 de agosto de 2017

Soneto

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

 V. M.

domingo, 28 de maio de 2017


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
preferiram (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

("Os Ombros Suportam o Mundo", C.D.A.)

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Réquiem


Eu, com minhas reticências...
Intrépido talvez, mas cético nem sempre.
Leva tanto tempo para ficarmos comum ao que nos convém.

Você compreende o que é olhar distante, além, e ao mesmo
Tempo estar preso a terra?

Algumas verdades cravaram-se na carne, no sangue, como esquecê-las?
Se, no entanto, aspiramos ao eterno... irredutíveis!

As tecnologias continuam caminhando em nome do “progresso”.
Vida privada nos jornais, revistas, internet... privada mesmo é a dor,
Na sua dura batalha de revelação e insight. Segredos inconvenientes.

Mas sorrimos!
É preciso compreender a finitude-eterna das coisas, um
Homem doa-se numa praça, ao meio dia, como em qualquer
Lugar do mundo.

Saudamos a família!
A família é, pois, uma disposição de móveis, cômodos, linhas
De expressão, semblantes. São portas, janelas, camas, caixas
Esquecidas, cachorro latindo. Tudo banhado de silêncios,
amores e desejos.

Logo afanamos o silêncio: pedimos carnes, bebidas, revoluções, manifestos
e arte. Que venha a palavra, o desejo, o decreto, o golpe.

Certas partes de nós reclamam, uma viaja ao norte, outra arde de desejo,
de amor. Cada instante é diferente e cada homem é diferente. A multidão
também pede seu tributo...

Eu sei que ela caminha ao meu lado. Ela é minha irmã, minha mãe, amante,
primeira namorada... olhar de ternura, um sorriso gentil. É bom saber que somos iguais,
uma substância única. [na arte e no sono]. 

(Felipe Pöe)

quinta-feira, 17 de março de 2016

Cinema de Tudo


O problema é a saudade
Como o desabrochar de uma flor
Este também é um momento de vida.

A poesia é uma flecha certeira, acerta no alvo
A poesia as vezes é cruel, vista do alto.
Eu não acredito que você venha tão perto
só para conferir seu tesouro...

Memórias de infância, carros parados na chuva,contai
Cinzas de incensos,tocos de vela
                                                  [contai:


A musa é mais do que um símbolo!
Eu sei! É difícil admitir que o mal existe,
e que ele também se presta a um bem maior.

Ode a todas as semelhanças!

Semelhância com todos os assassinos, todos os jogadores, todos os bêbados, todos os palhaços noturnos,todos os párias faladores, todos esses cantores irriquietos.

É preciso procurar por apoios.
Um pé na metáfora, e outro no real,
E vangloriar suas realidades
pois a realidade da fantasia é tão real
quanto a própria realidade.

As histórias contiuam: juventude perdida,
a garota que deixou o lar
Afinal de tudo ficou um pouco.

Eu adiei o golpe por tanto tempo
vai ver esperava-o, com um personagem
numa tragédia qualquer.

Para que escrever? Mas paro e penso
Deve haver um caminho... já que é
nos entreatos que a vida avança.

A razão caiu. E o que sobrou:
A fantasia! Que é o que permanece
de mais selvagem no homem.

Viajante ocular das ruas, dos semblantes,
Da beleza crepuscular ao torso feminino.
Da retina aquilínea,manipuladora de luz
e sombra, eficaz, rasante pousa nos olhos
e bate vôo.

Você está tão distante de mim...
mas você vai me achar! num canto
de um bar qualquer, a meia luz
observando, me exercitando, cinema de tudo!

Felipe Pöe

(poema pertencente ao livro "Esfinge", editora: Homero, São Paulo, Agebook)

sábado, 31 de outubro de 2015

Mala de Viagem

Estou no quarto, a mala posta na cama.
O que levar de bagagem? O que me pesa?
Seus retratos, roupas, aparelhos?
Dois cadernos enrolados e nada mais.
Quer saber o que contém? Minhas pequenas antologias místicas...
Nas mãos de outrem não pesaria mais de um quilo, certamente!
Mas nas minhas pesa a coluna, cansa os olhos, acelera o pulso.
Esses papéis... filtram-se nas paredes, nas janelas, nas plantas.
Motor imóvel, possuem luz e movimentos próprios. Deixa-los para trás
seria como deixar a mim mesmo, perder-se no meio do caos...
Não como um braço ou uma perna, mas uma parte vital de mim,
Um amuleto biológico de rubra cor! Não posso deixá-los. Eu os abraço e
me completo, agora e sempre! Rumo a estrada que conduz a todos os caminhos...
Estou saindo de viagem, levando dois cadernos enrolados, com papéis e seus retratos e nada mais.

(Felipe Pöe)


(poema pertencente ao livro "Esfinge", editora: Homero, São Paulo, Agebook)

sábado, 19 de abril de 2014

Sobre a Dialética de Uma Flor


Nesses dias de alquimia ousei perguntar
sobre alguns mistérios inerentes a beleza:
Ex: O que faz uma flor de outono ser tão bela?
Num dia ensolarado está tão vigorante e erguida

E no dia seguinte murcha, sem vida... Como as fases
da lua e da mulher: nova, minguante, linda e radiante.
Mas neste espaço de tempo, a beleza se faz intensa!

Permuta de luz em sublime! Nele cabe toda uma vida,
Uma eternidade, um riso, uma lembrança de saudade.
[Nascer, botão, flor intensa, murchar e morrer...]

Mas há certo instante, assim como na vida
Onde a beleza é efêmera e universal, simultaneamente.
E o poeta, este esteta, necrológico do saber
Encontra-se salvo e perdido, ao mesmo tempo.

Num dia de chuva e trânsito caótico, não sei
em que fase estavas cotidiana musa, mas
Absorto desta beleza de você, foi como música...

(Felipe Pöe)

(poema pertencente ao livro "Esfinge", editora: Homero, São Paulo, Agebook)

quarta-feira, 28 de março de 2012

Crônica de um observador Anacrônico


- Hã? Oi? Ah, são 07h40min e a saída é logo ali! Responde-me a garota vibrada no seu tablets, de última geração, na estação de Jabaquara, quando me dirigia em direção a manada dos bois na estação da luz, pela manhã.
Uma senhora de idade do meu lado se contorce de dor, e se enfurece ao ver um garoto viajar no seu ipod nano, sentado bem no banco sinalizado para idosos, do seu lado outro garoto se diverte com a leitura de Shakespeare nos seus Ipads (Pasmei!), coçando a cabeça e se irritando com o som estrepitoso de um rádio de funk, do outro lado da plataforma impedindo, assim, sua refeição intelectual matutina...
Enquanto isso, no fundo do vagão, a garota que eu fito não tira os olhos de seu Note Book Apple, imersa num mundo de moda e beleza...

-Será que nesse mundo de relações líquidas, eletrônicas e digitais é impossível ser poeta?


(Felipe Pöe)

(poema pertencente ao livro "Esfinge", editora: Homero, São Paulo, Agebook)