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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Conclusão?

Uma Difícil Definição!

 
Uma análise do poema "Conclusão" de Carlos Drummond de Andrade

Conclusão


  "Os impactos de amor não são poesia                                 
   (tentaram ser: aspiração noturna).                                      
   A memória infantil e o outono pobre                                 
   vazam no verso de nossa urna diurna.                               

   Que é poesia, o belo? Não é poesia,                                
   e o que não é poesia não tem fala.                                    
   Nem o mistério em si nem velhos nomes                           
   poesia são: coxa, fúria, cabala.                                         

   Então, desanimamos. Adeus, tudo!                                  
   A mala pronta, o corpo desprendido,                           
   resta a alegria de estar só, e mudo.                                

   De que se formam nossos poemas? Onde?                        
   Que sonho envenenado lhes responde,                              
   se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?"             

Este poema de Carlos Drummond de Andrade foi publicado no livro Fazendeiro do Ar & Poesia Até Agora (1953), o Drummond não mais tão "público", como na época da Rosa do Povo (1945), fase de mais intensa produção do poeta, época de esperança que nasceu sob a resistência do mundo livre à fúria nazi-fascista, mas que se retraiu com o advento da guerra-fria. A nova civilização que se forma, fortemente amarrada ao neocapitalismo, à tecnologia, às ditaduras de toda sorte, ressoou dura e secamente no artista Carlos Drummond de Andrade, que volta, com frequência, à acidez desenganada dos primeiros versos, como veremos mais à frente numa análise mais detalhada. (Cf. Bosi, 492)
Escrito sob a forma de soneto, fôrma poética inventada durante a idade média, no século XIII. Composto de 14 versos, divididos em 4 estrofes, 2 quartetos e 2 tercetos e com uma divisão semântica de: introdução, desenvolvimento e conclusão, O poema aparentemente carrega significados muito amplos, mas uma leitura mais atenta mostrará que a simbologia intrínseca no poema é bem mais complexa do que aparenta. Observando a pontuação, percebemos que 11 dos 14 versos são pontuados no fim, o eu - lírico não faz questão de muitas pausas, e deixa o pensamento correr livremente, existe muita perplexidade nas formas de pontos de interrogações, e apenas 1 verso termina com exclamação. Em relação às rimas, nota-se que tem pouca uniformidade sonora, salvo, acentuada repetição da palavra "poesia" nas 1° e 2° estrofes. As demais rimam assim: o primeiro verso da 1° estrofe rima com o 1° da segunda; o segundo verso da 1° estrofe com o quarto também da 1°; o segundo da 2° estrofe com o quarto da 2°; o primeiro da 3° com o último da 3° estrofe e o primeiro da última estrofe com o segundo. No mais, os 3° versos das três primeiras estrofes são soltos. Passando para uma análise da estrutura gramatical, nota-se que o ritmo apresenta uma forte recorrência do verbo "Ser": “é”, “não é”, “são”, frequente na maior parte do poema, demonstrando uma consciência do eu - lírico, na busca por uma definição da poesia, mas se no capítulo das pontuações, inferimos que existe muita perplexidade no poema, como pode coexistir essa dualidade Perplexidade X Consciência? Esta é a contradição, característica inerente à poesia, sobretudo, quando se busca uma definição para ela. Com efeito, é a idéia de perplexidade que mais aparece no poema, há um paralelismo no 1° dístico das 1° estrofe, 2° e 4° estrofes (versos 1, 2, 5, 6, 12, 13), o eu - lírico mantém a mesma idéia de pergunta: “O que é poesia?" (verso 5), a mesma idéia de perplexidade, de dúvida, há também paralelismos nos versos 3 e 7, ou seja, nem as reminiscências que vêm e vão na cabeça do poeta são poesia. No verso 8 o eu - lírico define: "poesia são: coxa, fúria, cabala", ou seja, a poesia pode surgir de qualquer coisa, da visão de uma coxa de mulher no cotidiano, da fúria, uma forte emoção, conseqüência do ressentimento do poeta, e cabala é: ciência o culta, privilégio para poucos, misticismo... e conclui no verso 9: “... desanimamos. Adeus, tudo.”.
Clara referência a outro trecho de sua obra:

"A poesia é incomunicável.
Fique quieto no seu canto.
Não ame."
               (1977; 41)

Nos versos 10 e 11 ainda diz: “... resta à alegria de estar só, e mudo.” (verso 11) Esta é a consequência do efeito da poesia, a poesia não é um simples deslumbramento, a poesia nos deixa mudo, irrequieto, torto pelos cantos.
Os versos 12 e 13 são parelhos aos primeiros dísticos das duas primeiras estrofes, já no verso 14 ele conclui: "se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?" Então o poeta é só um ressentido na sociedade? E o mais não vale nada? Não, o poeta tem um lugar privilegiado, ele possui uma sensibilidade mais aguçada, seu ressentimento não é um ressentimento qualquer, é um ressentimento que gera a fúria, que aliada a sua visão aguçada gera a matéria prima de sua poesia.
Voltando a dualidade: perplexidade X consciência, o poeta é um consciente da perplexidade da vida e traduz isso em palavras, poesia, em arte: esse pára-quedas que nos faz levitar diante das quedas conscientes e inconscientes que temos na vida...


Bibliografia:

Andrade, Carlos Drummond de. 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: J. Olympio, 8° ed., 1977.

Bosi, Alfredo.  História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2° ed., 1964.

(Felipe Pöe)

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